CURADORIA

Conversas com a Matéria

por Gabriel Menotti

Na sua célebre elaboração do conceito de heterotopia, o filósofo francês Michel Foucault evoca o jardim como o mais antigo exemplo do princípio de sobreposição de diversos lugares incompatíveis no mesmo espaço real. A configuração cuidadosa da vegetação nos jardins persas, aponta ele, pretendia formar um microcosmo que correspondesse, física e espiritualmente, ao mundo inteiro. De maneira parecida, o laboratório e o museu se propõem como sítios para a síntese heroica entre o todo de uma realidade e as suas parcelas que conseguimos manejar – um experimento, um espécime, uma obra.

Mas a diversidade inerente a jardins, laboratórios e museus também compreende a multiplicidade de participantes humanos e não humanos que, laboriosa e silenciosamente, fazem desses lugares o que eles são.

Ao longo do programa de residência Jardim Mineral, muitas foram as oportunidades de explorar essa diversidade constitutiva, por meio de uma intensa programação de trocas dos artistas uns com os outros, com interlocutores convidados e com funcionários de praticamente todos os setores do MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal.

Esse diálogo híbrido culmina aqui em conversas com a própria matéria. É emblemático que os projetos desenvolvidos para a categoria site specific, particularmente, estejam tão marcados por poéticas do contato: seja o atravessamento da luz por entre lentes, lâminas e slides articulado em Imagem-Matéria, de Mari Fraga; as carícias na rocha que Entropia Mineral, de Lucas Bambozzi e Fernando Velázquez, amplifica audiovisualmente; ou o choque que o Astroblema, de Elias Maroso, encena contra o hall de entrada do museu. Intercâmbios entre a gente, sim, mas também entre eras, escalas e ordens de representação. Muitos planos num só.

Mineral - Nativo Digital

por Bárbara Castro

O jardim é um lugar de encontro, um espaço multissensorial de troca entre diferentes organismos que estabelecem relações em escalas temporais diversas. Apresenta simultaneamente disposições naturais e composições humanas. Não se enganem com a aparente inércia dos minerais, eles contém muitas histórias. O acervo do MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal são pequenas amostras de uma longa história geológica que transcende as dimensões humanas de tempo e espaço. Apesar dessas proporções sublimes, também é possível encontrar poética presente na pequena escala em cada lasca, reflexo, textura. Um jardim, um olhar atencioso, um corpo presente, uma mente desperta podem revelar preciosidades na matéria imóvel.

Esse era o desafio para os artistas selecionados para a residência artística do edital CoMciência 2021-2022. O acervo de geociências foi apresentado por especialistas do museu e as interlocuções em arte, ciência e tecnologia nutriam o jardim de possibilidades estéticas. As proposições artísticas emergentes da categoria Nativo Digital alternam e combinam abordagens históricas e ficcionais, compondo uma rica exposição de arte e ciência. Keila Z e Samuel Van Ransbeeck extraem sonoridade dos minérios em projetos que mesclam ficção e dados. As duas duplas Mari Nagem e Thiago Hersan e Anastácio e Vamoss utilizam a programação criativa e a computação para realizar provocações sobre questões sociais e a mineração. Ivone Villamil e Pedro Hurpia criam narrativas audiovisuais no encontro com o acervo e a paisagem. Cada proposição agrega reflexões e sensações à experiência virtual do jardim mineral.

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